Brasil: ‘Na esquerda, as estruturas tradicionais se enfraqueceram ao mesmo tempo que novas formas de organização locais e autônomas surgiram em todo o país’

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Após os muitos protestos vistos no Brasil em 2017, CIVICUS fala com José Henrique Bortoluci, professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Brasil. José Henrique é PhD em Sociologia na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e é especialista em movimentos sociais, estudos urbanos e teoria social, com foco no Brasil.

 

  1. 2017 foi um ano de grande mobilização no Brasil? Quais foram os principais grupos mobilizados e quais foram as principais causas para seu descontentamento?

2017 foi um ano bastante contraditório e desigual em termos da atuação da sociedade civil no Brasil. De um lado, movimentos sociais não foram capazes de sustentar um movimento nacional de oposição ao governo de Michel Temer, por muitos considerado ilegítimo. O presidente continua governando, a despeito de ter assumido o poder a partir de um processo de impeachment altamente contestável (um golpe parlamentar, de acordo com parte da opinião pública) e de avançar reformas em quase tudo contrastantes com o programa de governo escolhido pelas urnas em 2014.

Apesar disso, em 2017 continuou avançando um processo de dinamização da sociedade civil no Brasil, com o surgimento de movimentos sociais pela renovação da política, sobretudo entre parcelas mais jovens da população – que se sentem em geral bastante barrados do sistema político como ele se organiza hoje. Trata-se de uma dinâmica que começou a ficar mais clara e se aprofundou a partir dos grandes protestos de 2013 e se dinamizou com os movimentos de ocupação de escolas em 2015, com a mobilização contra a Copa do Mundo e as Olimpíadas, que se realizaram no Brasil em junho-julho de 2014 e agosto de 2016, respectivamente, com a atuação de movimentos de ativismo urbano e com o substancial crescimento em tamanho e importância do movimento feminista e LGBTI nos últimos três anos.

Em suma, eu diria que o cenário é ao mesmo tempo de profunda politização entre vários setores da sociedade, mas de falta de articulação (seja por falta de força, seja por discordância política ou estratégica) entre esses movimentos em nível nacional.

  1. Como o governo reagiu aos protestos? Como a sociedade civil respondeu às restrições ao espaço de atuação cívica?

O governo tem reagido de forma bastante violenta, nos casos em que houve enfrentamento com manifestantes (como na greve de abril de 2017), como é de costume no país, sobretudo desde 2013. O que muitos ativistas apontam é que as forças policiais, sobretudo nas cidades onde houve um grande número de movimentações de impacto nacional nos últimos anos (principalmente Rio de Janeiro e São Paulo) se tornaram mais “eficientes” desde 2013 – e também como “legado” da Copa do Mundo e das Olimpíadas – em dissuadir protestos e em usar força máxima em muitos casos, dificultando estrategicamente que grandes protestos se concretizem.

Além disso, a outra forma de reação do governo tem sido, com frequência, desprezar deliberadamente a opinião pública, fechando-se ainda mais em suas alianças com o congresso e alguns setores da economia e da imprensa. Temer teve ao longo do 2017 a menor aprovação de qualquer presidente da história brasileira, e certamente uma das menores do mundo, o que não o impediu de manter-se, mesmo que sem legitimidade, no poder.

Por seu lado, a sociedade civil ainda busca novas formas de atuação frente a esse cenário de fechamento dos canais institucionais. As novas redes sociais têm desempenhado um papel crucial para a disseminação de novas gramáticas políticas entre a população - tanto à esquerda como à direita, como atestam exemplarmente o movimento feminista e as redes de apoio a um candidato de extrema-direita como Jair Bolsonaro.

Na esquerda, o enfraquecimento do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a principal central sindical do país, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), que exerceram papel quase hegemônico nas últimas décadas, se deu em paralelo à emergência de novas formas de organização mais locais e autônomas em todo o país, como movimentos de bairro, coletivos de jovens de periferia e movimentos de estudantes não-alinhados a partidos políticos.

  1. Em abril de 2017, o Brasil teve uma das greves gerais mais massivas de sua história. O que levou a esse protesto? Por que ele teve uma dimensão tão massiva? E o que mudou como resultado?

A grande greve de abril 2017, com uma quase paralisação geral de um dia, deveu-se à conjunção de dois fatores: a crise do governo Temer, com a divulgação de evidências de seu envolvimento – e do envolvimento de ministros e outros políticos muito próximos a ele – em escândalos de corrupção de grandes proporções, e às tentativas do governo em avançar duas reformas que impactarão profundamente os trabalhadores: a nova lei trabalhista (sancionada pelo presidente em julho) e a reforma da previdência (ainda em tramitação no Congresso). Outros movimentos sociais de oposição ao governo, assim como movimentos de esquerda (estudantes, feministas, LGBTI, ativismo urbano) se juntaram aos protestos. De qualquer forma, apesar de sua enorme importância, essa grande movimentação não ganhou momento ao longo do ano – ao menos não como um movimento nacional unificado antigoverno e antirreformas neoliberais.

  1. O que podemos esperar para 2018 com a aproximação das eleições e a liderança do ex-presidente Lula da Silva nas pesquisas?

O cenário ainda é bastante aberto, e qualquer previsão é marcada por muita incerteza. A primeira questão importante é se Lula poderá concorrer às eleições de outubro – caso ele não seja condenado em segunda instância. Em julho de 2017, Lula foi condenado a quase 10 anos de prisão depois de ter sido declarado culpado por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, mas seu recurso ainda está pendente. Mesmo que seu recurso fosse resolvido contra ele, alguns juristas ainda defendem que ele poderia ser candidato, até que o Supremo Tribunal Federal, a suprema corte constitucional do país, confirmasse o julgamento.

Outras iniciativas à esquerda ainda são bastante tímidas, como um início de movimentação em torno do nome de Guilherme Boulos (líder do mais significativo movimento de moradia do país, o MTST) e Ciro Gomes, um político com posições nacionalistas mas associado a práticas políticas bastante tradicionais.

A mesma incerteza também marca a direita e o centro – é bastante provável que o governador de São Paulo, o pouco carismático Geraldo Alckmin, concorrerá, provavelmente com uma plataforma liberal na economia e conservadora em termos de costumes e segurança pública. Jair Bolsonaro deverá ser o primeiro candidato abertamente de extrema direita com alguma chance de ir ao segundo turno.

De qualquer forma, a disputa tende a ser ferrenha e não há candidato com chances claras de vitória em primeiro turno. Além disso, a despeito do surgimento de novos movimentos que pregam uma renovação na política, a legislação eleitoral brasileira dificulta imensamente uma renovação no legislativo, um dos maiores responsáveis pela atual crise política e pelo avanço de uma agenda conservadora.

  • O espaço cívico no Brasil é classificado como ‘obstruído’ no CIVICUS Monitor, indicando restrições graves nos direitos da sociedade civil.

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